O cinema argentino vive um momento delicado. Com a eleição do presidente Javier Milei, candidato com viés ideológico de extrema-direita, o setor cultural do país tem sido alvo de boicote, com a extinção do Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA). Inúmeros artistas, entre eles Pedro Almodóvar e Kleber Mendonça Filho se juntaram em protesto diante das políticas instituídas pelo novo gestor argentino.
Se o futuro do cinema argentino é incerto, o legado de produções antes da era Milei revela o que motiva os inúmeros protestos de artistas pela preservação da sétima arte. Considerado um dos melhores filmes de terror de 2023 pela crítica, “O Mal Que Nos Habita” estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 1, com cenas que prometem deixar o espectador desconfortável.
A história do filme se passa em uma pacata cidade do interior, cujo os moradores recebem uma notícia alarmante: um homem está infectado pelo diabo, causando pânico e mortes inexplicáveis ao seu redor. Desesperados, os habitantes tentam escapar do local antes que algo de pior aconteça, mas o tempo parece não estar a seu favor.
Acompanhamos, na trama, dois irmãos, Pedro (Ezequiel Rodríguez) e Jimi (Demián Salomón), quando eles encontram o homem infectado por demônios. A família do rapaz afirma que ele está possuído, e que já pediram uma intervenção da polícia para matá-lo “da forma correta”, mas nada tinha sido feito até o momento.
A mitologia do filme, escrito e dirigido pelo argentino Demián Rugna, estabelece sete regras a seguir para lidar com uma pessoa possuída por demônios. São elas: não utilizar luz elétrica; não pegar objetos que ficaram perto da vítima; não ficar perto de animais; não machucar a vítima; não chamar o mal pelo nome; não usar armas de fogos; e não ter medo de morrer.
Característica do subgênero de filmes de terror envolvendo mortos-vivos, as regras direcionam a trama e trazem uma sensação de familiaridade para o telespectador, que sabe – e espera – pelo pior. Em O Mal Que Nos Habita, o terror é o mal em si.
O filme “O Mal que nos Habita” explora a manifestação do mal de maneiras imprevisíveis, tirando vantagem do poder da sugestão. Na obra, as explicações para o mal não vão muito além de conflitos interpessoais, como adultério, incesto, abandono parental, deslealdade entre vizinhos e disputa de terras.
O desarranjo social é evidente, tornando difícil identificar uma única causa para o maligno que permeia a narrativa. “O Mal que nos Habita” utiliza a disfunção presente na sociedade contemporânea, marcada por crises de verdades e sentidos, para maximizar a imprevisibilidade dos momentos de susto no filme.
Rugna, diferentemente de buscar justificar seus personagens por meio de diálogos expositivos, utiliza essa técnica para aprofundar as entregas de catarse. Porém, na segunda metade, o filme se torna mais previsível nos momentos de susto, possivelmente indicando que, apesar da aparente aleatoriedade, há uma ordem no caos ou, pelo menos, uma lógica no castigo.
ALERTA DE SPOILER
Enquanto nos envolve com essa narrativa aterrorizante, o argentino Demián Rugna também instiga o medo visual. Não apenas por meio da representação do possuído, que é perturbadora aos olhos, mas também por meio de escolhas impactantes: em uma sequência, um dos irmãos tenta salvar os filhos, e de repente, um cachorro ataca de maneira agressiva (e fatal) uma das crianças. Verdadeiramente assustador.
‘O Mal que Nos Habita’, assim, corresponde às expectativas que a crítica mundial tem ressaltado. Apesar de possuir um desfecho um tanto didático demais, exagerando no discurso, o filme oferece tudo o que buscamos em uma história de terror.
Desesperador, assustador, bizarro e, acima de tudo, não deposita nossa esperança em uma entidade superior. Apresenta um mundo sem esperança, onde nos vemos perdidos diante do desconhecido, sem mais para onde recorrer. É o fim da esperança. É o terror de nossos dias.
Ficha Técnica
O Mal Que Nos Habita
Título Original: Cuando Acecha La Maldad
Direção: Demián Rugna
Gênero: Terror
Duração: 01h40min
Estrelando: Ezequiel Rodríguez, Demián Salomón, Silvina Sabater
Estreia Nacional: 01 de fevereiro de 2024
Equipe Canal In
Repórter | Marco Dias
Editor: Ricardo Henrique
Foto: divulgação