Cinema

Resenha IN do Filme “Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”

Universo de Jogos Vorazes retorna com prelúdio sobre o grande vilão da franquia, tentando explicar as origens da crueldade

Uma premissa básica da filosofia medieval é a de que “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”. A frase, estabelecida por Rousseau, precursor do Iluminismo na Europa, destaca uma das maiores inquietações de filósofos, psicólogos e estudiosos da mente: a natureza humana.

Por que alguém comete um crime? O que justifica matar alguém? As injustiças corrompem o homem? As virtudes estão diretamente relacionadas ao modo de vida e à convivência com outras pessoas?

Tentando responder a todos esses questionamentos, “Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” conta a história de origem do maior vilão da franquia, o presidente Snow, interpretado na quadrilogia por Donald Sutherland. Na versão de 2023, o encarregado de dar vida ao personagem é o ator britânico Tom Blyth.

Para a psicóloga criminal alemã Julia Shaw, em entrevista à BBC News Mundo, “nossas mentes estão programadas para ter prazer com o sofrimento dos outros”, o que serve de base para explicar porque os Jogos continuaram a acontecer.

Na mitologia da saga, após uma rebelião frustrada contra a Capital em Panem, liderada pelo Distrito 13, os Jogos Vorazes foram criados com o objetivo de que todos os cidadãos de Panem se recordassem das consequências de se rebelar contra a Capital.

A espetacularização do horror, da barbárie de colocar 24 jovens, um garoto e uma garota de cada um dos doze distritos para lutarem até a morte na Arena dos jogos é uma forma da Capital manifestar sua autoridade e impor seu domínio político.

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes parte da 10ª edição dos Jogos Vorazes, em um período onde o público perdeu a audiência pelo banho de sangue sem propósito. A disputa não é consenso, nem mesmo entre os membros da Capital.

O jovem Snow, vivendo em situação de pobreza com sua avó (Fionnula Flanagan) e sua prima Tigris (Hunter Schafer), precisa se destacar como o melhor mentor nos Jogos para ter direito a uma premiação em dinheiro, que melhoraria a qualidade de vida de sua família.

O obstáculo inesperado por Snow é, justamente, sua aprendiz, a jovem garota do Distrito 12, Lucy Gray Baird (Rachel Zegler), que apesar do espetáculo visual com suas performances musicais, seria incapaz de sobreviver em uma arena repleta de jovens maiores e mais preparados para o combate do que ela.

A teatralidade da jovem é uma das características de sua personalidade enquanto integrante do “Bando”, grupo de artistas que se apresentam no Distrito 12, com canções e espetáculos musicais.

Se chamar a atenção da Capital para angariar fundos é uma das metas do jovem Snow, ter sido designado para orientar Lucy Gray pode ter suas vantagens. E o mentor tenta, ao máximo, explorar esse lado da jovem.

A relação entre Snow e Baird é um dos pontos centrais da trama, pois tudo é muito frágil, inclusive a confiança. Como criar laços profundos se eles podem ser temporários? Com intensidade. Tudo acontece tão rápido, em um prazo de tempo tão curto, que eles não têm escolha a não ser acreditar um no outro.

Em um mundo onde a confiança vale ouro, Snow não vê muitas opções. Todas as motivações do personagem ao longo do filme são baseadas em decisões que podem beneficiá-lo ou colocá-lo em destaque perante os demais, traçando as características bem definidas da sua personalidade extravagante.

No universo de Panem, porém, ele é só mais um, e rapidamente conhecemos a Dra. Volumnia Gaul (Viola Davis) e o reitor Casca Highbottom (Peter Dinklage), personagens cruciais para entender os limites que Snow atinge anos depois, como presidente.

A extravagância exagerada de Gaul e a frieza coberta de opióides de Highbottom traçam características adotadas pelo jovem Snow ao longo de sua vida, e principalmente, ao longo do filme, como se o personagem se espelhasse nos líderes para definir seus objetivos – em verdade, para almejar o destaque e reconhecimento que acredita ser digno.

Apesar do nome “Jogos Vorazes” no título, a história não tem a menor intenção em exibir uma nova edição da competição mortal como trama principal, e isso precisa ficar claro para o espectador, que pode se surpreender caso espere pelo mesmo conteúdo gráfico dos filmes anteriores.

O foco do filme é Coriolanus Snow, em todas as suas facetas e relações com os personagens que o cercam. E aqui, entra outro personagem importantíssimo para o desenvolvimento de Snow: Sejanus Plinth (Josh Andres Rivera).

Questionador, inconsequente e idealista, Sejanus é o oposto de Snow. Enquanto o mentor de Lucy Gray quer, ainda que não admita, o sucesso e o estrelato, Plinth quer defender as causas que acredita, se rebelando contra a barbárie dos jogos. Apesar de amigos, os embates entre eles são acalorados diante da rebeldia de Sejanus, que coloca a imagem de Snow em risco.

E, na defesa dessa imagem, o filme acelera a derrocada de Snow ao lado sombrio da Força, por assim dizer.

Assistir esse prelúdio anos depois de ter visto a quadrilogia principal é frustrante, porque a expectativa não é por uma redenção do jovem Snow, mas sim para entender os motivos que o levaram a se tornar o vilão da franquia.
A construção da personalidade do Snow é moldada com pequenos detalhes, desde a primeira vez em que ele mata alguém, ao fato de começar a contar vantagem pelos seus atos diante das execuções e, principalmente, pela sensação de sair impune dos crimes cometidos.

Como mentor, Snow quebra as regras a seu favor; como Pacificador, utiliza dos seus conhecimentos para sair ileso. E tudo isso cria a sensação de que o mundo deve favores ao todo poderoso Coriolanus Snow.

“Snow cai como a neve, sempre por cima de tudo”, e de fato, a ascensão do mentor o leva a consequências extremas em busca do poder soberano.

Mais do que explicar a origem da maldade, Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes vai além e traz a reflexão de que o homem pode até nascer bom, mas a sociedade o corrompe.

Com 2h38min de duração, o filme consegue construir uma origem para o vilão mais odiado da franquia de forma autêntica. E no fim, esse é o foco do filme.

FICHA TÉCNICA

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes
Título Original: The Hunger Games: The Ballad of Songbirds and Snakes
Direção: Francis Lawrence
Roteiro: Lauren Schuker Blum, Michael Arndt
Elenco: Tom Blyth, Rachel Zegler, Hunter Schaffer, Peter Dinklage, Viola Davis e outros.
Duração: 02h38min
Gênero: Ficção Científica/Ação/Aventura
Disponível em 15 de novembro de 2023 nos cinemas nacionais

Equipe Canal In
Repórter: Marco Dias
Editor: Ricardo Henrique
Foto: divulgação